Para os fãs de música pop que vieram ao mundo entre o fim da década de 1950 e
o começo da de 1970, Michael Jackson representou aquilo que os Beatles
significaram para a geração de dez anos antes. O jornalista americano
Nelson George é um representante da geração Michael Jackson. Nascido em
1957, um ano antes do astro, ele cresceu ao som do Jackson 5 e viu sua
carreira de crítico e especialista em música negra deslanchar ao mesmo
tempo em que acompanhava o crescimento do cantor rumo ao superestrelato.
No livro
Thriller — A vida e a música de Michael Jackson,
recém-lançado no Brasil pela Editora Zahar (tradução de Alexandre
Martins), George parte de suas experiências pessoais para traçar um
perfil do astro. Ao longo das 197 páginas, além de analisar faixa a
faixa o disco de maior sucesso de Michael,
Thriller (1982), o
autor apresenta alguns pontos de vista originais. George interpreta os
uniformes militares usados por Michael no fim da carreira como uma
referência à fase
Sgt. Pepper’s dos Beatles e, contrariando a
opinião corrente, livra a cara de Joe Jackson, o execrado pai de
Michael, normalmente apontado como responsável por traumas de infância
que teriam originado as esquisitices do astro.
"Nós temos por hábito culpar os pais por tudo. Joe é, certamente, uma
vítima". diz o autor, em entrevista ao jornal O Globo por e-mail. "Ele
não é um cara simpático, não tem charme nem habilidade para lidar com a
mídia. Nunca foi capaz de explicar por que Michael e seus irmãos foram
criados daquela forma. Joe começou a vida como metalúrgico, em Gary,
Indiana, e levou esse estilo rude quando foi para Hollywood."
Assim como Michael, Beyoncé possui a mesma ética do trabalho e a compreensão
do que é compor canções que se tornam hinos. Ela pensa grande e entrega
com grande precisão
Para George, Joe Jackson foi responsável por
ensinar aos filhos — principalmente Michael — a ética do trabalho, ainda
que com métodos questionáveis. Segundo o autor, graças ao pai, o cantor
aprendeu que, para triunfar em qualquer profissão, é preciso trabalhar
duro. George enxerga a mesma obstinação em outra estrela contemporânea:
"Assim como Michael, Beyoncé possui a mesma ética do trabalho e a
compreensão do que é compor canções que se tornam hinos. Ela pensa
grande e entrega com grande precisão. Ninguém será como Michael Jackson,
mas a visão global de Beyoncé é bem impressionante."
A ambição pelo superestrelato foi um dos combustíveis da carreira de Michael
Jackson. No livro, Nelson George mostra a quase obsessão que o cantor
tinha pelos Beatles, a maior banda de todos os tempos e, por isso mesmo,
um “adversário” a ser vencido. Além de ter comprado os direitos sobre
as músicas do grupo — investimento, que, como mostra o livro,
ironicamente, garantiria mais tarde que Michael não fosse à falência —,
ele gostava de aparecer em público vestindo uniformes militares
semelhantes aos que John, Paul, George e Ringo usaram na capa de
Sgt. Pepper’s.
"A interpretação padrão é de que as fantasias seriam uma volta à infância.
Mas acho que os uniformes de líder de banda marcial que Michael usava,
uma conexão mais musical do que militar, serviam, em parte, para ligá-lo
aos Beatles", interpreta. "Se ele se pretendia o Rei do Pop, estava se
pondo em competição com o maior grupo de todos os tempos."
A vida de Michael Jackson daria um bom thriller. Além de uma trilha sonora
eletrizante, drama, suspense, reviravoltas inesperadas, escândalos e uma
pitada de terror — a metamorfose física do cantor ao longo da carreira —
fizeram parte dessa trama de cinco décadas. George especula o que o
cantor estaria fazendo hoje, caso tivesse sobrevivido: "Estaria
trabalhando com os principais jovens produtores e compositores do
planeta. Ele passou os últimos anos da sua vida fazendo exatamente
isso."
Especialista em música negra, Nelson George é autor de alguns livros fundamentais sobre o tema:
Where did our love go? — The rise and fall of the Motown sound (1986), história da gravadora Motown, responsável por lançar astros
como Stevie Wonder, Diana Ross, Marvin Gaye e o próprio Michael Jackson;
The death of rhythm & blues (1988), uma análise da decadência do soul tradicional depois de seu apogeu nos anos 1960 e 70; e
Hip hop America (1999), um estudo da música e da cultura do rap, dos MCs e dos DJs.
Parceiro do cineasta Spike Lee (ajudou a financiar seu filme
Ela quer tudo), George também aventurou-se na direção. É dele o longa
Juntos pela vida, exibido em 2007 pelo canal a cabo HBO e que rendeu à rapper e atriz Queen Latifah um Globo de Ouro.
Em visita ao Brasil — já esteve no Rio, em São Paulo e em Salvador —
George tornou-se fã da música brasileira. "Amo Carlinhos Brown, que vi
nos Estados Unidos. Escutei compilações de funk carioca que o DJ Diplo
lançou nos Estados Unidos e gostei muito. Também gostei de pagode, que
ouvi no Rio, em 1995. Fui a Salvador no verão passado e escutei algumas
das escolas de samba mais incríveis em ação. Não há no mundo som mais
poderoso do que as maciças baterias do Brasil tocando polirritmias em
uníssono."
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