Melody Maker,
1º de março de 1980
Por Steve Demorest
‘Você consegue identificar a perfeição quando olha para ele’
A voz flutuando pela Costa era tão suave como a de uma criança. Era Michael Jackson, ditando as regras para a nossa entrevista.
A CBS Internacional já havia me avisado sobre certas questões, como comparar os Jacksons a outras famílias do
show business. Claro, eu me precavi, e não vou perguntar a ele o que ele pensa sobre Baudelaire ou o Afeganistão. Mais alguma coisa? Sim. Me disseram para esperar um telefonema direto de Michael, e aqui ele estava – ao vivo de um telefone mono da Bell. Com uma pequena condição.
Ele queria que eu fizesse as perguntas para a sua irmã. E então ela as repetiria para ele. Ele disse que isso tinha a ver com “uma coisa que eu acredito”.
Oh. Você quer dizer então para eu deixar as perguntas e pegar a fita mais tarde, mas que eu não esteja aqui durante a entrevista?Não, ele disse. Eu poderia ficar e ele responderia para mim.
Hmm, eu pensei,
esse passa-e-repassa é novo para mim. Do que ele possivelmente tem medo?
Claro, eu disse,
o que te deixar mais confortável.
Estranho.
Marcar uma entrevista com Michael Jackson é um negócio difícil, especialmente depois dele ter sido citado de forma equivocada por uma grande revista americana. Só um bom bocado de paciência e educação por um longo tempo fizeram que essa entrevista acontecesse.
Dizem que os Jacksons venderam mais discos do que qualquer outro grupo com a exceção dos Beatles, mas foi sempre Michael quem teve o maior carisma. Em 1970, quando ele era um precoce gênio de 11 anos, cantando e dançando com uma sofisticação para além da sua idade, Michael tinha um charme que as garotas dez anos mais velhas do que ele não conseguiam encontrar em seus namorados. E na sua estatura de criança, ele parecia bem inofensivo. Ao final dos anos sessenta, imperava o sentimento do
Black is Beautiful, mas também um pouco assustador para os brancos.
Com Michael, no entanto, o
Black também podia ser bonitinho, talvez pela primeira vez em uma década.
Em 1979, o álbum
Destiny da família recebeu platina dupla e eles dizem que arrebatam 10,000 fãs todas as noites em sua turnê pelos estádios dos Estados Unidos. Michael, no entanto, chegou em quase três milhões de cópias vendidas com
Off The Wall, completamente sozinho. No
American Music Awards de janeiro, ele empatou com Donna Summer como o mais premiado, vencendo Melhor Vocalista Masculino, Melhor Álbum de Soul e Melhor Single de Soul (pela sua composição
Don’t Stop ‘Til You Get Enough).
Agora ele concorre por Melhor Gravação de
Disco Music e Melhor Performance Vocal de R&B no Grammy.
Off The Wall também foi bem recebido pelos críticos, conseguindo aprovação na abafada
Rolling Stone e lugar no ultra-preconceituoso Top 20 de final de ano da
Village Voice. Pelo visto, parece que não há quem não goste de Michael Jackson.
Aos 21, Michael passou de “bonitinho” e se tornou um homem bem bonito. Você o vê na TV, saindo da fumaça em meio a
lasers verdes, com sua roupa brilhante e de repente, aquele garotinho se transformou em um príncipe totalmente crescido. A presença dele no palco é fabulosa – cada gesto lançado com forte autoridade, olhos piscando por trás dos longos cílios, e um sorriso radiante que não é deste mundo – e você então entende porque estão começando a chamá-lo de “o Sinatra negro para os anos Noventa.”
É natural imaginar o quanto desse fogaréu de emoções é legítimo e o quanto é fabricado. Se ouve que Michael é uma pessoa muito família, muito religioso, e muito correto. Alguns até dizem que, mimado pelo seu trabalho e sua família, ele é antissepticamente isolado como um menino em uma bolha de plástico.
“Eu não compro essa história,” diz uma cínica editora de fanzines no meio do seu quarto copo de scotch. “Como ele consegue evitar todas as garotas que o perseguem?”
Curiosidades vulgares de lado, o rapaz recebe muita atenção – e mesmo assim, ele parece ter preservado um grande charme. No final, eu acabei descobrindo o seguinte: Michael Jackson parece ter escapado das torturas comuns da adolescência com uma rara virgindade de alma – não apenas intacta, mas crescente.
O nosso Cadillac cinza subiu as montanhas de Hollywood e deslizou até o vale de São Fernando.
Não tão longe do alvoroço de Encino, nós avistamos um portão de ferro aberto, tocamos o interfone para os habitantes tiraram o Doberman do jardim, e então adentramos a estrada para a confortável mansão de classe média alta, mas certamente não o palácio que eles poderiam morar se quisessem.
Janet de treze anos – ela mesma uma estrela de TV no seriado
Good Times – atende a porta como uma criança responsável, seu pequeno colar de ouro encoberto pelas suas tranças à lá Bo Derek. Os pais não estão por perto, não há empresário e nem segurança. Na verdade, eu e Shirley Brooks da CBS (que gentilmente pede licença para assistir
Rockford Filex pelas próximas duas horas) somos o mais próximo de “adultos” à vista.
E aqui cheeeeeeeeeeeeega Michael! Quietamente, ele atravessa a sala para nos cumprimentar, o carismático Michael Jackson parece ser um jovem gentil, doce e calmo. Ele está usando um pulôver laranja, calças escuras e um par de sapatos grandes e reluzentes que te dão a impressão que tem um filhote ou um potro não inteiramente crescido nos pés dele.
Michael me lembra que nós concordamos em realizar a entrevista com sua irmã intermediando como intérprete, e nós três nos dirigimos para a brilhosa sala amarelo-lima. Eu já decidi começar com as perguntas mais suaves possíveis, assim Michael terá tempo para ver como sou de fato humano – mas Michael ainda não sabe disto. Ele está batendo os joelhos um no outro enquanto eu ajeito o gravador, até que Janet – sentada no nosso meio – dá uma pancadinha suave nele. Ele sorri e relaxa. Ao longo da nossa conversa, ela mexe no cabelo dele ou esfrega seu braço, dando confiança.
Então vamos começar com Quincy Jones – todo mundo ama o trabalho da produção dele em
Off The Wall. Quincy lembra-se de ter conhecido Michael na casa de Sammy Davis quando o garoto tinha dez anos, e a primeira lembrança que Michael tem de Quincy data de uma festa em homenagem a Muhammad Ali, mas o encontro “de verdade” deles foi quando eles trabalharam juntos em
The Wiz, em 1978.
Er, eu gostaria de saber como Michael decidiu que Quincy seria o produtor do seu disco.
“Como você decidiu a escolha de Quincy?” Janet ecoa.
Michael sorri. Bom começo.
“Um dia eu liguei para o Quincy para perguntar se ele poderia sugerir alguns bons profissionais que gostariam de trabalhar no meu álbum. Foi a primeira vez que eu compus e produzi inteiramente as minhas músicas, e eu estava procurando por alguém que me daria esta liberdade, e que fosse alguém ilimitado musicalmente. Quincy me chama de ‘Smelly’ [Fedido], e ele disse, ‘Bem, Smelly, por que você não me deixa produzir?’ Eu disse, ‘Esta é uma ótima idéia!’”
Michael ri como se ele ainda não acreditasse no quão ingênuo havia sido.
“É que soou tão falso – como se eu estivesse tentando fazer ele dizer aquilo – mas eu não estava. Eu nem pensei nisto. Mas Quincy consegue fazer jazz, ele faz trilhas-sonoras para filmes, rock ‘n’ roll, funk, pop – ele faz todas as cores, e esse é o tipo de pessoa com quem queria trabalhar. Eu fui até a casa dele tipo no dia seguinte, e nós começamos a montar juntos.”
Michael está orgulhoso da sua abordagem “colorida”, e o boato da hora é que ele está pensando em boicotar a premiação Grammy, apesar de suas duas indicações, para protestar por ter sido incluso nas estreitas categorias de Disco/R&B. Agora ele nos conta a variedade musical que escuta, como Supertramp, música folk, música clássica, música espanhola antiga, Renascentista.
“Eu tenho todo tipo de discos e K7s que as pessoas nunca imaginariam que seriam meus. Eu amo
Some Girls. Claro que ele [Jagger] se encrencou com aquela coisa que ele disse. Eu não gosto de vulgaridade. Realmente, nenhum pouco.”
Outro artista ao gosto de Michael é Ron Temperton, que deixou de excursionar com o Hestwave para compôr músicas como
Rock With You,
Off The Wall e
Burn This Disco Out.
Quincy teve muitas idéias boas para o Michael?
“Quincy deu boas idéias a você?” Janet sussurra.
“Uma grande coincidência aconteceu neste álbum. Sabe, a música do Paul McCartney que eu gravei,
Girlfriend? Eu conheci Paul McCartney no Queen Mary, e então o encontrei novamente numa festa que ele deu na casa de Harold Lloyd aqui em L.A. Ele e Linda vieram até mim e disseram ‘
Nós escrevemos uma música para você‘, e começaram a cantar: ‘
Girlfriend, da-da-dee-dee-dee-dee.’ Eu disse, ‘
Oh, eu gostei muito, quando podemos nos encontrar?‘ Então ele me deu o telefone dele na Escócia e em Londres, mas nunca conseguimos nos encontrar. Quando eu vi, ele já havia gravado a música no álbum dele,
London Town. Então um dia eu fui até a casa de Quincy e ele disse, ‘Sabe que música seria ótima pra você? Essa música do McCartney chamada
Girlfriend.’ Eu pirei.”
Michael ri da simetria do sucesso.
“Paul McCartney me mandou um telegrama há não muito tempo atrás me dizendo que havia amado a minha versão, mais do que a dele, e agora nós vamos gravar algumas coisas para o próximo álbum dele. Vamos compôr duas músicas juntos — este é um dos meus próximos projetos após o álbum dos Jackson em março. Se eu cantar também vai ser legal, mas isso é com ele, porque o disco é dele.”
Michael está gostando mesmo de trabalhar dia e noite, como ele diz em sua música? Janet repassa a pergunta.
“Eu gosto muito,” ele concorda.
“
Working Day And Night é muito autobiográfica em vários sentidos, embora eu tenha estendido ao ponto de fazer o papel de um cara casado cuja esposa me faz mudar. Mas não é trabalho como escravidão. Eu amo, ou não teria sobrevivido até aqui.”
Até aqui. Michael começou entretendo locamente em Gary, Indiana, quando ele tinha seis anos de idade, e após 15 anos ele é provavelmente o astro infantil que durou mais tempo desde Shirley Temple. Criado sob os holofotes, este cara cresceu com magia. Não existem
performers mais naturais do que Michael Jackson!
A sua performance no palco é espontânea?
“Eu vou te dizer com toda a honestidade divina,” ele diz, esquecendo de esperar Janet falar. “Eu nunca entendi o que estava fazendo no começo – eu apenas fazia. Eu nunca soube como cantava. Eu não tinha controle sob isso, isso apenas se criou. Eu amava fazer o que fazia, no entanto. E eu amava assistir os outros cantarem e dançaram também.
“A minha dança vem espontaneamente. Algumas coisas eu já faço há anos, então as pessoas marcaram como se fosse o meu estilo, mas tudo são reações espontâneas.
As pessoas deram nomes a certas danças em minha homenagem, como o giro que eu faço, mas eu nem consigo me lembrar como eu comecei a fazer o giro – veio naturalmente.“Não acontece nada se eu entrar numa sala e tentar pensar em algo novo. Eu aprendi muito apenas ‘brincando’ na minha privacidade, em casa.
Eu acho ótimo acordar de manhã e ter esse grande espelho no seu quarto para ensaiar.”“Eu amo todo o mundo da dança, porque a dança é realmente a emoção através do movimento corporal. E como seja que você se sente, você trás aquele sentimento de dentro. Muita gente não pensa sobre a importância dela, mas há toda uma questão psicológica em apenas se deixar soltar. Dançar é importante, como rir, para afastar a tensão. Escapismo… é ótimo.“Eu realmente acredito que cada pessoa tem um destino a partir do dia em que nasce, e certas pessoas têm uma missão muito específica a cumprir.
Há uma razão para os japoneses serem melhores em tecnologia, e há uma razão porque a raça negra gosta mais de música – desde a África e as tribos e as batidas de tambor.
“Eu gosto de pensar onde as coisas começaram e aprender a partir delas. Eu amo Bill Robinson e todas as pessoas do início do
vaudeville, que são realmente a origem daquele tipo de dança. E eu adoro Fred Astaire. Ele é um amigo meu, e ele me fez elogios maravilhosos. Ele disse, ‘
Eu sei muito sobre você, jovenzinho.’ Nós não morávamos longe dele em Beverly Hills, e ele me contou que costumava me ver todos os dias andando na minha moto, e ele buzinava.
Ele me disse que ama o meu trabalho e eu estou fazendo algumas coisas que nem ele fazia quando começou.“Pensa, quando ele se apresentou aos estúdios de cinema todos disseram, ‘
Não consegue atuar, não é bonito e consegue dançar só um pouco.’ Eles disseram que ele era feio porque ele ficou careca com pouco mais de vinte anos. Em todos os filmes dele o que você vê não é o seu cabelo, sabe, ele fez um transplante. Mas ele continuou e finalmente, ele conseguiu entrar em um projeto com a Joan Crawford, e ele arrasou.
“Ele não deixava nada passar até estar perfeito. Ele ensaiva uma estrofe de uma música por toda uma semana, e ele me disse que ele e Ginger Rogers ensaiavam todo um número de dança por três meses.
Quem ensaia deste modo hoje em dia? Ninguém. E deveriam. Você consegue identificar a perfeição quando está olhando para ela.“O que eu odeio na TV e nas turnês é que sempre estamos correndo contra o tempo. No futuro, eu vou atuar e dançar em filmes do modo como deveria ser feito, não do jeito bobo e louco de fazer três números de dança em duas horas. Nos nossos especiais de TV, eu gritava de raiva disto. Eu dizia, ‘
Todo esse sistema é muito ignorante! Está errado, totalmente errado!‘”
Michael Jackson grita? Bem, talvez não seja sem razão, dado o fato de que ele cresceu como uma espécie única de criatura dos palcos.
“Eu não tenho nenhum pouco de ego,” ele afirma. “Digo, todo mundo têm um ego, mas não é no sentido de pensar que eu sou grande ou que sou melhor do que esta ou aquela pessoa por causa do que eu faço. Eu sinto completa pena por quem pensa deste jeito. Eu só amo o que eu faço, e eu acredito em treinar e me aperfeiçoar.
É como aquele tipo de coisa da igreja, quando um espírito entra em alguém e a pessoa perde o controle. Eu sou outra pessoa totalmente diferente quando danço.”De fato, aquela “pessoa totalmente diferente” faz o Michael Jackson “real” se sentir tão vulnerável que ele frequentemente quer se tornar invisível na sua vida diária. Michael não tem medo dos palcos – ele tem medo da vida fora dos palcos.
“Muitas pessoas não conseguem lidar com o fato de que você é outra pessoa no palco. Elas não entendem.
Elas cheguam até mim e dizem, ‘Cante pra nós um trecho de Rock With You‘ ou ‘Faça aquele giro que você fez na TV’. E eu fico com muita vergonha. Se duas pessoas chegam até mim na rua então -ooh – é difícil. É tão difícil.“Eu não vou muito a danceterias e clubes. Às vezes você acha que vai ir ao cinema e que ninguém vai te ver, mas assim que você chega na porta lá estão a caneta, o papel e as fotos.”